terça-feira, agosto 21, 2007




Das Tardes







... e de um Poema.








Onde nunca mais o mar dos meus olhos,
Abandonou o céu do teu olhar.




















Ancient Love Song



She is one girl, there is no one like her.
She is more beautiful than any other.
Look, she is like a star goddess arising
at the beginning of a happy new year;
brilliantly white, bright skinned;
with beautiful eyes for looking,
with sweet lips for speaking;
she has not one phrase too many.
With a long neck and white breast,
her hair of genuine lapis lazuli;
her arm more brilliant than gold;
her fingers like lotus flowers,
with heavy buttocks and girt waist.
Her thighs offer her beauty,
with a brisk step she treads on ground.
She has captured my heart in her embrace.
She makes all men turn their necks
to look at her.
One looks at her passing by,
this one, the unique one.





Poema dos finais da XVIII Dinastia.









Solar Nature









segunda-feira, agosto 13, 2007




...












"O que o homem tem do pássaro é inveja.
Saudade é o que o peixe sente da nuvem."







Eram falas de Tiane Kumadzi, o velho que vivia fora do juízo, apartado da gente, longe da aldeia. Eu seguia-o enqunto ele desperdiçava pegadas na areia da praia. Meus pais muito me proibiam aquelas divagabundagens.
- Esse tipo não regulamente bem. Você está proibido.
Que ele era o indevido indíviduo. E somavam-me: esse tipo anda a apanhar as lenhas de uma grande desgraça. Pois o futuro o que é? Se nem temos palavra na nossa língua materna para nomear o porvir. O futuro, meu filho, é um país que não se pode visitar.
Mas eu não resistia a seguir os passos molhados de Kumadzi quando ele, manhãs cedinho, procurava sinais do além-mundo. Acontecia na subluminosidade quando o sol nos deitava em sombras sobre as ondas.
O desmedido velho se dezembrava assim, para cá e para diante, todo encurvado enquanto pronunciava indecifráveis rezas. Me divertia aquele renhenhar dele, cabeça abaixo dos ombros, remexendo algas, conchas e troncos trazidos pelo mar de longínquas tempestades.
Eu o seguia calado, morto por saber os enfins daquela busca. Me apetecia aquela companhia como se Tinae fosse mais menino que eu, parceiro da minha meninagem.
- Quantos anos tenho? Sou igual como voçê...
E dizia: uma criança é um homem que se dá licença de voar. Às vezes me mandava correr, passar o sem-fim da praia. Que eu devia voltar sem nenhum fôlego.
- Ganhe vantagem do cansaço, filho. Há uma sabedoria do cansaço.
O cansaço é um modo do corpo ensinar a cabeça. Assim dizia Tinae. Que havia sentidos que só o cansaço despertava. Sono e fadiga: mãos que nos abrem janelas para o mundo. Fosse por esse cansaço que ele encontrava na praia aquilo que mais ninguém ousava. Certa vez, quebrei o peito e lhe atirei a pergunta:
- Mas procuramos o quê, vovô Tinae?
- Isto.
E atirou-me um pedaço de madeira. Era um pau a modos que nunca vira: acertados os cantos com as arestas, corrigidos os redondos da madeira e as asperezas da casca. Me admirei: em que terra cresciam árvores desse formato, tão gostosas de alisar o dedo?
- Mas o que é isto avô?
- Procuras-me mais istos e te deixo espreitar na minha casa.
Não fiz segunda coisa nos dias seguintes. Enquanto restasse fiapo de claridade eu afadigava os olhos a farejar mais estranhos objectos. Fazia o que ele me recomendava: me cansava pelas dunas, à procura da sapiência da fadiga.
Ao fim do dia, meus pés escamavam de tanto aguarem. Meus braços se contentavam ao peso de tantas madeirinhas. O velho Kumadzi juntava-as no seu quintal, no mesmo lugar onde, nas casas dos outros se empilhava a lenha. Pela noite, o velho se dedicava a dar sentido àquele desordenado monte de madeirinhas. Estudava cada um dos paus. Ajustando os encaixes, entrância na reentrância, foi construindo um barco cheio de dimensões.
Os pescadores se espantaram - um barco? Aquilo mais parecia era uma casa. E se chegaram, espetando no sossego do velho o gume da curiosidade:
- Quem lhe ensinou a fazer uma coisa que não existe?
Kumatzi encolhendo os ombros. Ele não sabia mas o adivinho já pressentia. Aquilo era casa que anda na água, obra de homens-peixe, gente de aspecto nunca visto. E o adivinho juntava terríveis premonições: vinham aí tempos de cinza e fogo.
- É melhor que esses nunca venham, é melhor que nunca cheguem.
E somou sentença: era urgente matar a viagem dos forasteiros. E logo ali se executou mandança: nessa noite se deitaria fogo na forasteira construção. Todos saíram. Fiquei apenas eu dando encosto à solidão do velho. Passaram-se densos silêncios até que Tiane Kumatzi me pediu que o ajudasse a empurrar o barco até à água. Nem beliscámos centímetro. O navio estava mais encalhado que árvore. Kumatzi desofegou:
- Tu miúdo, meta-se no barco!
Apontei para mim, em espanto. Eu? O velho confirmou: eu devia era navegar, sair por esses mares para ir ter com esses que chegavam. E completou:
- Assim não haverá quem tenha vaidade de encontrar quem...
Me escusei. Dei a volta ao momento e desandei pelo escuro. Reconheci razão dos conselhos da aldeia: o velho sofria o castigo de visitar de mais o futuro. Regressei a casa e deparei com estranha agitação. Meu pai comandava furiosa multidão. Vendo-me chegar, ele ordenou:
- Vai donde que vieste!
E levaram-me em diante da raiva e gritaria. Se dirigiam ao lugar de Tiane Kumatzi. O meu velho me empurrava para cá e para nenhum lado. Nem tive tempo de acertar vistas com ideias. Já o barco ardia, engolido por mil tochas, chamas chamando chamas.
Num instante, tresvoaram espessas fuligens. Eu via os fumos subirem e comporem estranhas figuras, monstros de engolir mundos. Eu fechava os olhos mas as visões não se afastavam. Ainda escutei uma voz dizer para meu pai:
- Cuidado, mano, esses fumos estão cheios de veneno!
Fosse ou não veneno: as gentes se decompunham, embriagadas. Primeiro, deram gritos, saltos e danças. Aos poucos, se instalou a festa e a alegria enrijeceu a restante noite. Até os corpos lençolarem a terra.

Na manhã seguinte, o braço do velho Tiane me acordou. Primeira coisa que vi foi o barco. Esse mesmo que ardera horas prévias. Mas ali estava ele, intacto, com todo o formato. Algumas chamuscadelas, mais nada. O velho antecedeu a minha pergunta:
- Não chegou a arder, a madeira estava molhada.
Nas mãos tinha um naco de madeira meio ardida. Esfarelou a cinza, misturou a areia. E acrescentou:
- Esse barco estava cheio de mar!
Percorreu as escassas cinzas como que a confirmar a presença de qualquer coisa já vista. Perguntava-se, nervoso:
- Onde está, onde está?
Finalmente, se debruçou a apanhar uma taça feita de madeira. Levantou-a nos braços. Me aproximei. Aquilo não era simples objecto de usar. Desenhos de enfeitar se inscreviam em belezas. Tiane acenou a taça e proclamou:
- Viu? O mar quer juntar as pessoas.
Estendeu a taça e pediu-me que bebesse. Beber o quê?, perguntei. Espreitei o redondo da taça e havias gotas. De cacimbo, adiantou Tiane para aplacar o meu receio. Levei a taça aos lábios mas não consegui beber. Improvisei desculpa:
- Vou guardar isto, para beber com eles...

Escondi a taça por debaixo do velho canhoeiro. De novo, fomos à rebentação ao encalço dos homens-peixe. O velho se deixou ficar dentro de água. Era já noite e ele se recusou a sair. Disse que nunca mais voltaria para terra. Ficaria ali a encharcar-se de mar. Queria semelhar-se com o barco, a madeira ensopada? Quando houvesse viajem já ele se converteria em madeira salgada. Já ele se convertera em casa marinha à espera dos que haveriam de vir.



Mia Couto in "Contos do nascer da terra"




E terna e timidamente sem saber o que fazer, a criança escondeu a taça por debaixo do velho canhoeiro. E de novo, fomos à rebentação ao encalço dos homens-peixe. Eu deixei-me ficar dentro de água. Era já noite e recusei-me a sair. Disse-lhe a sorrir, que nunca mais voltaria para terra. Ficaria ali a encharcar-me de mar. Queria semelhar-me com o barco e com a madeira ensopada. Para que quando houvesse viajem já eu me converteria em madeira salgada. E assim, já eu me convertera em casa marinha à espera dos que haveriam de vir. À espera de todos aqueles que eu, esperava que chegassem. À espera de quem e desde sempre, eu espero e tenho esperado que chegue. Tu...




Tu, num voo por voar e
a brisa única das manhãs,
para nos guiar pelo mar.







Solar Nature